sábado, 30 de janeiro de 2010

HAITI – OS SINOS DA NATUREZA DOBRAM POR TODOS NÓS


Enquanto o Haiti ainda tenta se reerguer do terremoto que o devastou no último dia 12 de janeiro e deixou ao menos 170 mil pessoas mortas, eu fico pensando qual seria a explicação para tamanha devastação. Os cientistas explicaram a causa no dizendo que é um movimento constante na região e até um certo momento que é o que acontece terremotos, vão acumulando energia e chega um momento em que essa energia é liberada e foi liberada exatamente na região do Haiti. O epicentro do terremoto coincide com uma falha geológica registrada nos mapas. Ela teria cedido à pressão, e essa foi a principal culpada pra ocorrência desse terremoto que devastou o Haiti.
Os crentes provavelmente explicariam a tragédia como sendo um dos sinais do fim do mundo. Citaria inúmeros textos bíblicos, faria as mais consideráveis exegeses e hermenêuticas para provar suas argumentações. O pessoal da batalha espiritual diria que aquilo tudo era uma retaliação do maligno ou um ataque fulminante das hostis demoníacas, afinal, aquele povo vivem de caso com o inimigo.
Eu quero fazer uma leitura diferente desta tragédia. Eu penso que a natureza está gemendo, ou nos dando em cada tragédia natural uma oportunidade de reconciliação, é sua pregação, com um emocionante apelo; e mais, com uma nota fúnebre como música de fundo, (muito comum nos apelos do púlpito evangélico). Pena que seus ouvintes não são tocados suficientemente a ponto de ‘ir lá na frente’ se entregar e deixar acontecer a ‘metanóia’ ecológica.
Na Londres de 1624, os sinos da catedral de São Paulo, onde o poeta John Donne era o Deão, tocavam quase ininterruptamente anunciando as milhares de mortes causadas pela peste. Atingido por grave enfermidade (que chegou a ser confundida com a peste) Donne escreveu então um de seus textos mais conhecidos, a Meditação XVII: "Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de teus amigos ou mesmo tua; a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti."
Hoje, no mundo, os sinos dobram por todos nós e para nos acordar. Grandes desastres podem virar acontecimentos corriqueiros. Não devemos pensar apenas no Haiti como uma tragédia natural, devemos olhar para as grandes enchentes, as grandes secas, e outras grandes tragédias que vivenciamos pela mídia no dia a dia. A natureza, numa pedagogia sinistra, parece exemplificar o que significam esses fenômenos extremos que, em várias regiões do planeta, tenderão a provocar calamidades cada vez mais severas e intensas.
Em vez dos pastores bradarem do púlpito sua sentença de fim do mundo com a chegada do juízo apocalíptico, deveriam sim, usarem tais catástrofes naturais como ilustrações para seus sermões, conclamando o povo para o fim da irresponsabilidade ecológica, a começar dos ditos mordomos do Senhor.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

QUANDO DEUS FICA ACIMA DE MEU PEQUENO BEM E DE MEU PEQUENO MAL


A cristandade passou séculos lutando para reconciliar os males da vida com a bondade de Deus. E parece que estamos cada dia mais longe deste intento. Mas o que fazer para compreender nossos pequenos bens e nossos pequenos maus do dia a dia?
O bem e o mal existem porque agimos visando a fins conscientes, supomos que todo o processo tem esses fins em vista; e porque somos humanos, supomos que todos os eventos levam ao homem e são destinados a subservir as necessidades do homem. Mas isso não passa de uma ilusão antropocêntrica.
Bom e mal são relativos a gostos e fins humanos e freqüentemente individuais, e não tem validade alguma para um universo no qual os indivíduos são efêmeros e no qual o Dedo propulsor escreve a história da raça.
O que achamos ridículo, absurdo ou nocivo será porque momentaneamente temos apenas um conhecimento parcial dos acontecimentos e ignoramos, em geral, a ordem e a coerência do Grande Decreto como um todo, e porque queremos que tudo seja arranjado de acordo com os ditames de nossa própria razão. Embora, na verdade, o que a nossa razão considere mau não seja mau no que se refere à ordem e ao Decreto como um todo. Neste entendimento uma coisa pode ser ao mesmo tempo boa, má e indiferente, por exemplo, a música é boa para os melancólicos, má para as carpideiras e indiferente para os mortos.
Quando olhamos a vida por etapas ou fragmentos, então desviamos nossa mente do Propósito Maior e total e nos deparamos com a problemática do bem e do mau, esquecendo-nos da grande lição de Jó de que Deus está acima do nosso pequeno bem e do nosso pequeno mau.
Quando Deus torna soberano sobre o que nossa razão entende por bem ou por mau, então, e só então, passamos a ter forças para esperar e suportar as duas faces da fortuna com o mesmo espírito; lembrando-nos de que todas as coisas são reguladas pelo eterno Decreto de Deus.
Quando entendemos o determinar sábio e soberano de Deus sobre todas as coisas, sabendo que tudo está determinado, não podemos reclamar, embora possa resistir; porque passamos a perceber coisas sob uma espécie de eternidade, e compreendemos que os nossos infortúnios não são acasos no esquema total; mas sim, que eles encontram certas justificativas na eterna seqüência e estrutura do mundo.
Aqueles cujo Deus está acima destes bens e maus voam dos intermitentes prazeres da paixão para a alta serenidade da contemplação, que vê todos os acontecimentos como parte de um Todo eterno; aprende a sorrir diante do inevitável e quer consiga seu reconhecimento agora ou daqui a mil anos fica contente. Aprende a lição de que Deus não é uma personalidade caprichosa absorvida nos assuntos privados de seus devotos, mas a invariável ordem de sustentação do universo, onde nem uma folha cai sem a sua devida permissão.

sábado, 16 de janeiro de 2010

ACERCA DA DOUTRINA DAS PRIMÍCIAS – UMA NOVIDADE QUE USURPA A HERMENÊUTICA E SULAPA O BOLSO DOS FIÉIS


01). ANÁLISE BÍBLICA DO TERMO ‘PRIMÍCIAS’
1.1. Hebraico: re´shiyth (Gn 43.9; Ex 23.19; Lv 2.12; Nm 15.21; Dt 18.4)
• Primeiro, começo, melhor, principal, parte principal, parte selecionada.
1.2. Hebraico: bakowrah (Gn 4.4)
• Direito do primogênito, primogenitura, direito do primeiro filho.
1.3. Hebraico: bikkuwr (Ex 34.22; Lv 2.14; 23.17; 23.20; Nm 13.20; 28.26; 2 Rs 4.42; )
• Primeiros frutos –
a). as primícias da colheita e das frutas maduras eram colhidas e oferecidas a Deus de acordo com o ritual do Pentecostes;
b). o pão feito dos grãos de trigo oferecidos no Pentecostes;
c). o dia das primícias.
1.4. Grego: aparche (Rm 8.23; 11.16; 16.5; 1 Co 15.20; 15.23; Ap 14.4)
• Ofertar primícias ou primeiros frutos, tirar os produtos frutos da produção da terra que era oferecida a Deus. A primeira porção da farinha das quais os pães sagrados eram preparados. Daí o uso do termo para pessoas consagradas a Deus para sempre.
02). COMENTANDO OS TEXTOS
2.1. Quando o termo bakowrah é usado pela primeira vez na Bíblia (Gn 4.4), primícias está relacionado a primogenitura ou o direito do primeiro filho;
2.2. Relacionado a ritual religioso está como definição e indicação a festa do Pentecostes. Festa que celebrava os primeiros resultados da colheita (primícias);
2.3. No no NT o termo passou a ser usado para pessoas consagradas a Deus para sempre e ao privilégio dada pelo Senhor aos salvos.
• A idéia do NT não é o crente oferecer a primícias a Deus. Nós somos os frutos do trabalho do Senhor (paixão e morte de Cristo), que fomos colhidos por Cristo e oferecidos a Deus. Neste sentido todo crente é a primícias de Deus.
• Outra idéia, extraímos de Paulo aos Romanos que nos ensina que a primícias é um presente que Deus dá aos fiéis, ele chama de “as primícias do Espírito”. Ter estas primícias significa estar estritamente unida a uma pessoa ou a alguma coisa (esta é a idéia do verbo primário “echo”= ter) (8.23);
• Neste sentido o NT empresta a idéia de primícias do AT e a reinterpreta, dando a ela um sentido espiritual, excluindo da igreja qualquer pratica relacionada ao ritual das festas judaicas.
• Jesus é apontado como a primícias na ordem da ressurreição (1 Co 15.23);
• Os regenerados são as primícias das criaturas de Deus (Tg 1.18);
• As pessoas consagradas a Deus são tidas em Ap 14.4, como sendo as primícias do Senhor.
2.4. Portanto nenhuma autoridade bíblica, hermenêutica, exegética e teológica existe para aqueles que afirmam que a prática das primícias é uma oferta especial que deve ser destinada ao pastor, posto que ele representa o sacerdócio pelo qual os crentes é abençoado. Usar este modelo além de um equívoco bíblico é um engano ao povo desprovido de conhecimento.
03). UMA ANÁLISE DO TEXTO MAIS UTILIZADO PARA EM DEFESA DESTA PRÁTICA (2 Rs 4.42-44)
3.1. O homem de Baal-Salisa (v.42) – O homem neste texto não denota nenhuma especialidade ele é ‘iysh termo hebraico para ‘homem’, ‘pessoa humana’, ‘alguém’. Baal-Salisa, um lugar em Efraim, próximo a Gilgal.
3.2. Eliseu, o homem de Deus – “Homem de Deus”, título usado para governantes, juízes. Eliseu é um profeta, não um sacerdote. O profeta é aquele que anuncia ou fala em nome de Deus. Os profetas do AT prefiguram Cristo. O dom de profecia ou o profeta das comunidades carismáticas primitivas do NT, não são uma representação do profetismo veterotestementário. Neste caso, Eliseu como profeta, pode figurar o ministério profético de Cristo, e não o pastor, como é conhecido hoje em nossa congregação evangélica.
3.3. “Os pães das primícias” – Neste caso primícias aqui é as primícias da colheita e das frutas maduras que eram colhidas e oferecidas a Deus de acordo com o ritual do Pentecostes; o pão era feito dos grãos de trigo oferecidos no Pentecostes. Tudo o que se oferecia a Deus se oferecia, todavia o ‘homem de Deus’ (Eliseu), recebia a oferenda numa espécie de intermediário entre Deus e o homem de Baal-Salisa. Seria uma prefiguração de que o pastor (também homem de Deus), deve intermediar a entrega do presente, (primícias), do fiel a Deus? A resposta é não. Porque esta idéia é insustentável. Vejamos:
• Primeiro, porque não há paralelo entre o Eliseu e o Pastor no NT, a não ser que ambos anunciam a Deus. Pastor não se originou no NT como um paralelo ao profeta do AT.
• Segundo, as primícias, de acordo com a palavra hebraica neste texto [bikkuwr], é usada como as primícias ligadas a um ritual da festa do Pentecostes, e a igreja não celebra esta festa, no sentido do AT, nem há indicações ou prescrições para tal celebração no NT. Ela é restrita ao povo de Israel.
• Terceiro, de modo prático, primícias atualmente está significando presentes, não a Deus, mas ao pastor. Ainda que se diga que ‘espiritualmente’ falando o fiel está dando a Deus, não se sustenta pelo fato que o entendimento do NT é que o crente (como um todo), já é a primícias do Senhor, não havendo mais necessidade de um ‘ato físico’, para tal representação. O único ato necessário nesta caso, é a fé em Cristo, que nos colheu e nos ofereceu a Deus, como fruto do seu sacrifício vicário (Is 53).
3.4. Eliseu não ficou com as primícias, mas deu ao povo (vs.42a- 44) – Aqui se dispensa comentário. Eliseu não ficou com ‘os presentes’ do homem de Baal-Salisa, ele mandou que fosse repartido com o povo. O povo comeu o presente. Ora, usar o texto literalmente em certos sentidos e figuradamente em outros sentido é fazer hermenêutica de conveniência.
Querem praticar as primícias? Dêem ao pastor e peça a ele que redistribua entre os irmãos necessitados da igreja. É provável que haja bastante gente dentro de nossas igrejas mais necessitadas que nossos ‘homens de Deus’. Só esperamos que tais homens se espelhe na liberalidade do profeta que insiste em dizer: “Dá ao povo”. E não: “Dai-nos, povo”!

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

SANTO AGOSTINHO PREGA PARA A IGREJA EVANGÉLICA


Reza-se no templo de Deus quando se reza na paz da Igreja, na unidade do Corpo de Cristo, porque o Corpo de Cristo é constituído pela multidão dos crentes espalhados por toda a terra. [...] Para sermos atendidos, é neste templo que temos de rezar, «em espírito e verdade» (Jo 4, 23), e não no Templo material de Jerusalém. Este era «uma sombra das coisas que hão-de vir» (Col 2,17), e por isso caiu em ruínas. [...] Este templo que caiu não podia ser a casa de oração da qual foi dito: «A Minha casa será chamada casa de oração para todas as nações» (Mc 11, 17; Is 56, 7).
Será que os que a transformaram num «covil de ladrões» foram realmente os causadores da sua queda? Pois também os que levam na Igreja uma vida de desordem, os que procuram fazer da casa de Deus um covil de ladrões, estando ela em seu poder, também esses não poderão destruir este templo. Virá o tempo em que serão expulsos sob o chicote dos seus pecados. Esta assembléia de fiéis, templo de Deus e Corpo de Cristo, tem apenas uma voz e canta como um só homem. [...] Se quisermos, essa voz será a nossa; se quisermos escutar o cântico, cantá-lo-emos também no nosso coração...

Santo Agostinho (354-430), Bispo de Hipona (Norte de África)